Infanticídio indígena: o universalismo dos direitos humanos em face do relativismo cultural
Resumo
O objetivo deste estudo é analisar o infanticídio indígena sob a ótica do universalismo dos direitos humanos, confrontada com a teoria do relativismo cultural. A questão orientadora da pesquisa é a seguinte: o infanticídio indígena afronta o direito à vida ou é apenas expressão cultural que deve ser protegida como parte das tradições desses povos? A hipótese é a de que o infanticídio indígena reflete um choque entre dois direitos fundamentais: à vida e às manifestações culturais. Este último, previsto no artigo 215 da Constituição Federal, é reconhecido como garantia. Porém, tais direitos e garantias não estão hierarquizados. Os objetivos específicos são: discutir o direito a cultura enquanto um direito humano; elucidar a respeito da cultura indígena; descrever a comunidade indígena Yanomami e suas expressões culturais; abordar o universalismo dos direitos humanos, o relativismo cultural e o infanticídio como prática cultural das comunidades indígenas. As principais conclusões demonstram a necessidade de estudos aprofundados e abrangentes sobre todo e qualquer assunto, e, principalmente, os interesses por trás de todo discurso, ato ou projeto de lei que criminalize ou estigmatize culturas, como a indígena. Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental que utilizou o método crítico-dialético, respaldada teoricamente em autores como Joaquin Herrera Flores, Boaventura de Sousa Santos, Paulo Freire, Laura Segato, entre outros.
Palavras-chave: cultura indígena; relativismo cultural; eurocentrismo; epistemicídio.
Abstract
This paper objective is to analyze indigenous infanticide from human rights’ universalism perspective, confronted with cultural relativism theory. Research’s guiding question is as follows: does indigenous infanticide harm the right to life, or is merely a cultural expression that should be preserved as part of ethnic groups’ traditions? The hypothesis is that indigenous infanticide reflects a clash between two fundamental rights: to life and to cultural expression. The latter is foreseen in Federal Constitution’s Article 215, recognizes as a guarantee. However, such rights and guarantees are not hierarchical. The more specific objectives are: to discuss the right to culture expression as a human right; to clarify regarding indigenous culture; to describe Yanomami people and its culture expressions; to approach human right’s universalism, the cultural relativism, and the infanticide as indigenous people’s cultural practice. The main results show the need for in-dept and broader studies about the interests behind the discourses, acts, or bills that criminalizes or stigmatizes cultures, as the indigenous one. This bibliographical and documentary research used the critical-dialectical method, based on authors as Joaquin Herrera Flores, Boaventura de Sousa Santos, Paulo Freire, Laura Segato, among others.
Keywords: indigenous culture; cultural relativism; Eurocentrism; “epistemicide”.
Resumen
El objetivo de este estudio es analizar el infanticidio indígena desde la perspectiva del universalismo de los derechos humanos, confrontado con la teoría del relativismo cultural. La cuestión orientadora de la investigación es la siguiente: ¿el infanticidio indígena atenta contra el derecho a la vida o es solo una expresión cultural que debe ser protegida como parte de las tradiciones de estos pueblos? La hipótesis es que el infanticidio indígena refleja un choque entre dos derechos fundamentales: a la vida y a las manifestaciones culturales. Este último, previsto en el artículo 215 de la Constitución Federal, es reconocido como garantía. Sin embargo, esos derechos y garantías no son jerárquicos. Los objetivos específicos son: discutir el derecho a la cultura como un derecho humano; dilucidar sobre la cultura indígena; describir la comunidad indígena yanomami y sus expresiones culturales; abordar el universalismo de los derechos humanos, el relativismo cultural y el infanticidio como práctica cultural de las comunidades indígenas. Las principales conclusiones demuestran la necesidad de estudios profundos y amplios sobre todos los temas y, principalmente, los intereses que se encuentran detrás de todo discurso, acto o proyecto de ley que criminalice o estigmatice culturas, como la indígena. Se trata de una investigación bibliográfica y documental que utilizó el método crítico-dialéctico, sustentada teóricamente en autores como Joaquín Herrera Flores, Boaventura de Sousa Santos, Paulo Freire, Laura Segato, entre otros.
Palabras-clave: cultura indígena; relativismo cultural; eurocentrismo; epistemicidio.
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