O emprego da teoria menor na desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor, à luz da teoria da proporcionalidade e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Autores

  • Angela Fey Uninter

Resumo

O exercício de atividades econômicas organizadas é essencial para o progresso de uma sociedade, gerando empregos, receitas e circulação de renda. Além disso, a empresa tem uma função social, conforme a Constituição Federal e o Código Civil, que busca harmonizar interesses econômicos, sociais e ambientais. Essa função é realizada pelas pessoas por trás das operações empresariais. A personalidade jurídica, conceito legal que separa o patrimônio do indivíduo do patrimônio da empresa, foi estabelecida para proteger o empresário — proteção esta que pode ser anulada por meio da desconsideração da personalidade jurídica. A sua aplicação é guiada por duas teorias: a menor, que sugere a desconsideração em casos de inadimplemento; e a maior, que exige evidência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O Código Civil (CC) adota a teoria maior, mas o Código de Defesa do Consumidor (CDC) permite a aplicação da teoria menor em contextos consumeristas — o que cria um desequilíbrio entre o CC, as doutrinas empresariais e o CDC. O artigo propõe explorar a aplicação da teoria menor dentro do contexto do CDC, por meio de uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do sopesamento dos princípios de proteção ao consumidor e livre iniciativa. Em resumo, a controvérsia gira em torno da necessidade de equilibrar a proteção ao consumidor e os direitos e responsabilidades dos empresários, considerando também os contextos adversos como a pandemia da covid-19, que impactou muitos negócios. A discussão é pertinente para garantir justiça e proporcionalidade nas decisões jurídicas relacionadas à desconsideração da personalidade jurídica.

Palavras–chave: desconsideração da personalidade jurídica; proporcionalidade; princípios constitucionais.

Abstract

Organized economic activity is essential for the progress of a society, generating jobs, revenue, and income circulation. In addition, the company has a social function, in accordance with the Federal Constitution and the Civil Code, which seeks to harmonize economic, social, and environmental interests. This function is performed by the people behind the business operations. The legal personality, a legal concept that separates the individual's assets from the company's assets, was established to protect the entrepreneur - this protection can be nullified through the disregard of the legal personality. Its application is guided by two theories: the minor theory, which suggests disregard in cases of non-compliance; and the major theory, which requires evidence of abuse of purpose or asset confusion. The Civil Code (CC) adopts the major theory, but the Consumer Protection Code (CDC) allows the application of the minor theory in consumer contexts - which creates an imbalance between the CC, business doctrines, and the CDC. The article proposes to explore the application of the minor theory within the context of the CDC, through an analysis of the jurisprudence of the Superior Court of Justice and the weighing of the principles of consumer protection and free enterprise. In summary, the controversy revolves around the need to balance consumer protection and the rights and responsibilities of entrepreneurs, also considering adverse contexts such as the COVID-19 pandemic, which impacted many businesses. The discussion is relevant to ensure justice and proportionality in legal decisions related to the disregard of legal personality.

Keywords: disregard of legal personality; proportionality; constitutional principles.

Resumen

El ejercicio de actividades económicas organizadas es esencial para el progreso de una sociedad, generando empleos, ganancias y circulación de ingreso. Además, la empresa tiene una función social, conforme la Constitución Federal y el Código Civil, que busca harmonizar intereses económicos, sociales y ambientales. Esa función es realizada por las personas responsables por las operaciones empresariales. La personalidad jurídica, concepto legal que separa el patrimonio del individuo del patrimonio de la empresa, fue establecida para proteger el empresario — protección que se puede anular por medio de la desconsideración de la personalidad jurídica. Su aplicación es guiada por dos teorías: la menor, que sugiere la desconsideración en casos de incumplimiento; y la mayor, que exige evidencia de desvío de la finalidad o confusión patrimonial. El Código Civil (CC) adopta la teoría mayor, pero el Código de Defensa del Consumidor (CDC) permite la aplicación de la teoría menor en contextos consumistas — lo que crea un desequilibrio entre el CC, las doctrinas empresariales y el CDC. El artículo propone explorar la aplicación de la teoría menor dentro del contexto del CDC, por medio de un análisis de la jurisprudencia del Superior Tribunal de Justicia y de la ponderación acerca de los principios de protección al consumidor y libre iniciativa. En resumen, la controversia gira en torno de la necesidad de equilibrar la protección al consumidor y los derechos y responsabilidades de los empresarios, considerando también los contextos adversos como la pandemia de la covid-19, que impactó muchos negocios. La discusión es pertinente para garantizar justicia y proporcionalidad en las decisiones jurídicas relacionadas a la desconsideración de la personalidad jurídica.

Palabras clave: desconsideración de la personalidad jurídica; proporcionalidad; principios constitucionales.

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Biografia do Autor

Angela Fey, Uninter

Relações Públicas de formação pela UEL com MBA em Gerenciamento de Projetos pelo SENAI/SC, pós-graduação em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale e em Estudos Diplomáticos pelo IBMEC, atualmente estudante de Direito na UNINTER e Gerente Regional de Sustentabilidade para a América Latina na Novozymes.

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Publicado

2024-01-30